UMA VIAGEM AO TERRITÓRIO PAITER SURUÍ
Por Nicolas Floriani
No dia 09 de dezembro de 2016, os
professores do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal
de Rondônia, Adnilson Almeida Silva, Josué Costa Silva e Maria das Graças Silva
Nascimento Silva, integrantes da REDE CASLA-CEPIAL promoveram uma interessante aula
de campo no território Paiterey Karah
(nomeado como Terra Indígena Sete de Setembro, após o primeiro contato com o
mundo ocidental). A ideia era promover uma convivência de três dias entre os
acadêmicos (estudantes e professores) do programa de pós-graduação com os Paiter Suruí.
Convidado pelos referidos
professores para participar dessa intensa experiência, o prof. Nicolas Floriani
do Programa de Pós-graduação em Geografia da UEPG se insere nesse cenário,
tendo como enredo inicial a viagem desde a capital Porto Velho em direção ao
município de Cacoal.
No prédio histórico da sede da
Unir, no centro da cidade, há poucas quadras da Avenida Farqhuar e da estação
de trens à vapor da ferrovia Madeira-Mamoré, a equipe acadêmica se preparava
para realizar a viagem em micro-ônibus que os levaria ao território Paiter
Suruí.
No centro de Porto Velho, a estação ferroviária Madeira-Mamoré, instalada na barranca do rio Madeira, convida nossa imaginação a embarcar no final do século XIX quando da instauração do projeto de modernização da Região amazônica durante o regime político republicano.
Copiando o pesadelo do despojo e
da colonização dos territórios indígenas do far west
estadunidense e mexicano, a República Federativa do Brasil concede ao
emblemático empresário norte-americano Farqhuar – homenageado com o nome de uma
avenida da cidade - a função maior de executar a ligação do Brasil por ferrovia
ao custo de contratos milionários. A homenagem ao cowboy simboliza a importância desse personagem no processo de
imposição do projeto modernizador à populações tradicionais e indígenas: os
préstimos da modernização (a instalação de ferrovias e telégrafos a serviço do capital transnacional do mercado da borracha) em áreas
remotas e marginalizadas das regiões rurais do país seriam pagos com a devastação
da floresta e a morte de miliares de caboclos e indígenas marcados a ferro e
fogo no início do século XX.
Distante oito horas de Porto Velho,
rumo ao sul do estado rondonense, a aldeia Paiter
Suruí é um território de resistência ao projeto de modernização do mundo
rural. A viagem pela rodovia federal que
sai da capital Porto Velho, passando pelas cidades de Ariquemes, Ji-Paraná e
Cacoal, desvela uma paisagem de anos de devastação da floresta amazônica: áreas
de parques nacionais recortadas, ao longo da rodovia, por extensas e planas áreas
de monocultivo de soja, cavas de mineração, tanques de criação de tambaquis, degradadas
pastagens de poucos bovinos em meio a solos vermelho e amarelo expostos; restaurantes
à beira da rodovia anunciam a presença de pequenas cidades satélites.
Deixando a extensa rodovia
asfaltada, a uma certa distância da sede do município de Cacoal, o micro-ônibus
toma uma estrada de barro vicinal que corta um relevo marcado por morros
acidentados ocupados por pastagens da bovinocultura extensiva: a paisagem pecuária transforma-se a medida que os esparsos capões de floresta vão paulatinamente se
unindo, até formar um maciço verde daquilo que marcaria a entrada no território
indígena. Nossa chegada, ao anoitecer, viria com a esperança de testemunhar um projeto
contra-hegemônico de resistência à expropriação das populações autóctones e de
sua floresta.
Uma ponte quebrada e um pequeno barco de metal marcam essa ruptura. Do outro lado do rio, surge um túnel de árvores por meio do qual o grupo de estudantes e professores deveria adentrar em uma realidade muito pouco conhecida pela sociedade brasileira. Ocas, Roças, Agrofloresta, Instrumentos, Danças, Esportes, Alimentos, Plantas Medicinais, Artesanatos e Mitos Suruí foram compartilhados intensamente durante nossa breve mas densa visita à comunidade.
A RESISTÊNCIA AO CAPITAL E AO ESTADO: A EMERGÊNCIA DE LIDERANÇAS INDÍGENAS
Desde os anos de 1970, o território Paiter Suruí perdeu muito em extensão. Aproximadamente a área de dois municípios (Ji-Paraná e Ariquemes) pertenciam a essa etnia. Os colonos vindos do sul e do sudeste do país que, incentivados pela política pública de colonização e modernização agrícola durante o regime militar, apossaram-se das terras indígenas expulsando as populações autóctone para outras regiões remotas da Amazônia ou para os grandes centros urbanos.
Com a redemocratização do país,
no início dos anos 1980, um severo e sangrento conflito foi instalado. Atraídos pelas promessas do estado brasileiro de expansão da nova fronteira agrícola e da colonização das terras "incognitas" devolutas, os
colonos migrantes ocupariam as terras indígenas, desmatando as florestas e
implantando monocultivos e pastagens. O conflito sangrento perdurou até meados
dos anos 1980, resultando na expulsão daqueles e marcando a história dos Paiter que reconquistariam uma pequena
parcela do território invadido.
Atualmente o território indígena Paiter Suruí congrega 27 aldeias distribuídas
em uma área de aproximadamente 248 mil hectares. Durante o processo de
reconquista de suas terras, surge como protagonista o clã Gamebey (marimbondo preto, na língua da etnia), do qual emergira
uma liderança indígena preocupada em resistir e lutar pelos direitos
socioterritoriais da etnia desde o ano de 1969, quando do primeiro contato com a
expedição oficial da FUNAI.
Filho do Labiway (líder, na língua Paiter) Marimop e Weitã
Suruí, Almir Narayamoga Suruí desponta nesse cenário como uma jovem liderança,
defendendo a causa de seu povo frente às pressões e ameaças dos atores
antagônicos locais e do Estado. Reconhecido internacionalmente por diversas
entidades defensoras dos direitos humanos e do meio ambiente, destacam-se
Prêmio Internacional de Defensor de Direitos Humanos (Societé Internationale de
Droits de L’Homme, Genebra, 2008), Personalidade Sulamericana (Google, 2008),
100 pessoas mais criativas do mundo (revista Fast Economy, 2011), Ordem do
Mérito Cultural (Brasil, 2012), Título Honoris Causa (UNIR, 2013), Prêmio
Internacional Herois da Floresta (ONU, 2013).
Atualmente, Almir Suruí é presidente da Associação Metareilá do Povo Indígena Suruí e na
sede da entidade recebeu gentilmente ao grupo de acadêmicos vindos da Terra
Indigena Sete de Setembro. Na ocasião, os representantes da Rede Casla-Cepial
convidaram o líder Suruí para participar do V°Cepial, a ser realizado no período
de 22 a 25 de junho na cidade colombiana de El Pasto. Almir ouviu os representantes da Rede Casla-Cepial e declarou interesse em participar do evento na Colômbia.
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