ATA DA REUNIÃO
DA CÂMARA JURÍDICA INTERNACIONAL DA REDE CASLA-CEPIAL realizada na ocasião do SEMINÁRIO INTERNACIONAL TERRITÓRIOS,
CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS, SEGURANÇA E SOBERANIA ALIMENTAR NA AMÉRICA LATINA,
no dia dezessete de junho do ano de dois mil e dezesseis (17/06/2016), no Auditório
do SINTRACON, em Curitiba, das onze horas e dez minutos (11h10min) às dezessete
horas e dez minutos (17h10min), lavrada pelos acadêmicos de Relações
Internacionais Gabriel Thomas Dotta e Priscila Alcântara Drozdek.
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A reunião foi
iniciada às 11h10min. Gladys de Souza,
presidente da Casa Latino-Americana – CASLA, iniciou convocando as
comunidades e entidades presentes a formarem um círculo. Em seguida, pediu para
que os representantes das comunidades, ao longo da reunião, expusessem não
somente suas dificuldades, mas também suas conquistas, conclamando que é graças
a todos os lutadores presentes que temos um povo digno de respeito. No entanto,
nesse primeiro momento, pediu para que fossem breves.
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Fabíola
Colle, coordenadora da Câmara Jurídica e advogada da CASLA, tomou em
seguida a palavra e explicou como seria a dinâmica da reunião: primeiramente, seriam
apresentadas a Rede e a Câmara Jurídica, depois, as comunidades deveriam se
apresentar.
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Ivete Caribe, vice-presidente e advogada da CASLA, então,
iniciou expondo que a Casa Latino-Americana nasceu no período de
redemocratização, quando muitos exilados que voltavam ao Brasil procuravam abrigo
e assistência. Mais recentemente, explicou, o trabalho da ONG passou a envolver
migrações em geral, especialmente de latino-americanos e africanos, notadamente
haitianos, que têm vindo em maior quantidade ao país; ainda, especialmente em
razão do Mercosul, passamos a ter maior fluxo de migrações na região, o que
trouxe novas dificuldades e levou a uma conexão entre juristas e movimentos
sociais latino-americanos de forma apoiarem-se mutuamente. Como resultado, foi
criada a Câmara Jurídica. A partir das necessidades locais, desenvolveu-se
também a ideia de apoio às comunidades tradicionais e povos originários. Expôs,
assim, que foram observados diversos conflitos sociais na região e, como
resultado, mostrou-se necessária a expansão da Câmara através da ampliação da
rede de advogados e inclusão do Ministério Público. Finalizou conclamando para
que lutemos juntos.
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Fabíola
tomou, depois disso, a palavra novamente para melhor explicar como funciona a
dinâmica da Câmara Jurídica. Afirmou que esta surgiu espontaneamente dos
diversos Congressos CASLA-CEPIAL: dentro da Rede foram formadas Câmaras Temáticas,
compostas por acadêmicos, responsáveis por pensar temas específicos debatidos
nos congressos; a partir do desenvolvimento dos encontros e das respectivas Câmaras
Temáticas, surgiu a necessidade de uma Câmara Jurídica para lidar com as
questões de forma prática. O propósito da Câmara Jurídica seria, dessa forma, criar
uma ponte entre os achados das Câmaras Temáticas e os poderes públicos no
sentido de resolver problemas encontrados em direitos humanos.
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Nicolas
Floriani, professor da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e membro da
Rede, complementou o elaborado exemplificando o processo de resolução de
problemas através dos agroecologistas, que dialogam e apresentam iniciativas
que partem das comunidades. Reiterou, então, a necessidade de que, durante a
reunião, as comunidades apresentassem claramente suas principais demandas, mas
mantendo sempre claro que os problemas não seriam resolvidos de imediato, e sim
que o diálogo representaria um importante primeiro passo.
~*~
Prof.
Javier Tobar, da Universidad del Cauca,
Colômbia, em seguida, defendeu ser extremamente necessário prestar muita
atenção no que ocorre hoje na America Latina, especialmente o movimento de
construção, desde a década de 70, do buen-vivir,
pois este não procederia do meio acadêmico ou de instâncias superiores, mas sim
do verdadeiro povo latino-americano. Disse que, embora sejam as populações que constroem essas mudanças, estão sujeitas a
diversos ataques, donde surge a necessidade de se gerar um movimento jurídico
para se recorrer a todas as instâncias possíveis em sua defesa. Saudando,
portanto, a Câmara Jurídica, sugeriu que sua primeira tarefa seria juntar todos
os conhecimentos teóricos, epistemológicos e jurídicos pertinentes à sua
atuação. A segunda seria a devida análise do que está passando na América Latina, posto que os
problemas são, no geral, iguais. Afirmou, nesse sentido, que representam ameaças
à vida inteira, para além da humana, posto que tanto os governos de esquerda
quanto os de direita têm apostado no mesmo modelo neoextrativista de
desenvolvimento. Expôs, então, o que vê como os pontos principais de análise
para atuação: i) o que ocorre, efetivamente, nos Estados; ii) o poder
gigantesco das corporações e seus “exércitos” de advogados, a exemplo da
Monsanto, bem como a inteligência neoliberal na academia, vista como “braço
armado” das corporações pelo que chamou de tecnociências, como a administração
e o direito; e iii) os movimentos sociais e seus problemas, especialmente onde
são mais claros, como Bolívia e Equador. Sumarizou pelos três atores:
movimentos sociais, corporações internacionais e Estado. Concluiu chamando pela
importância do empoderamento dos movimentos sociais.
~*~
Gladys,
então, agradeceu ao professor Javier pela exposição e reforçou que a nossa luta
não é apenas local, e que não conseguiremos nada se o povo latino-americano não
se unir. Citou como exemplo os problemas em comum que têm os pescadores artesanais
brasileiros e a população litorânea do Chile. Assim, convocou as comunidades
tradicionais e povos originários para que fizessem agora o uso da palavra.
~*~
Prof.
Dimas Floriani, coordenador acadêmico da CASLA, sugeriu para a próxima
etapa da reunião uma abordagem de três a cinco minutos por pessoa, em razão da
escassez de tempo.
~*~
Gladys
sugeriu que os discursos das comunidades iniciassem por conquistas e para que
só à tarde tratassem dos problemas.
~*~
Fabíola concordou e propôs que as
demandas efetivas fossem abordadas na tarde, reservada a manhã para
conhecimento coletivo do grupo.
~*~
Acir Tullio, do Faxinal de Marmeleiro,
Rebouças - PR, membro da Rede Puxirão, inaugurou os discursos das
comunidades tradicionais e povos originários. Começou expondo o que considera a
primeira conquista de sua comunidade: a organização em grupo. Isso pois até
então os faxinalenses estavam todos divididos, até que perceberam que sozinhos não
conseguiriam resultados. Disso surgiu, disse, em 2005, o primeiro encontro dos
faxinais, e a partir daí começaram a trabalhar em rede também com outras
comunidades, como indígenas e quilombolas. Afirmou que seu foco é o trabalho em
grupo e, por isso, foi criado o núcleo da comunidade, para encontrarem formas
de trabalhar com a comunidade unida. Pontuou que há cinco núcleos de
faxinalenses desse tipo no Paraná. Seguiu afirmando que a segunda conquista foi
trabalhar com as leis municipais, estaduais e acordos comunitários, notando a
importância dessas, não bastando a cooperação isolada. Reiterou que descobriram
possuir força sempre que unidos. Concluiu notando que, segundo o IAP, existiriam
apenas 44 faxinais no Paraná, mas quando as próprias comunidades fizeram o
mapeamento, descobriram ser na verdade mais de 200 comunidades, fora os ainda
não descobertos.
Pedro
Altamir de Deus, também do Faxinal de Marmeleiro, Rebouças – PR, complementou
o exposto esclarecendo que os faxinalenses querem morar em coletivos, como
sempre viveram, e não em chácaras individuais. Protestou, assim, em defesa do
território coletivo, dos faxinais, mostrando que suas lutas giram em torno
disso, a exemplo das questões das cercas, limites de território e área de
animais. Colocou ainda que o prefeito não os auxilia, comentando que quando
finalmente os promotores começam a ajudá-los, o prefeito os retira.
Dircéia
Pereira, pescadora da Comunidade Ponta Oeste, Ilha do Mel – PR, expôs em
seguida que a batalha de sua comunidade começou quando criaram a estação
ecológica em sua região. Em resposta, disse, buscaram ajuda e encontraram apoio
na Universidade Federal do Paraná em Matinhos; procuraram, também, órgãos públicos.
Mencionou como exemplo de luta a Lei de Zoneamento da Ilha do Mel, de 2009, que
reduziu de 31 para 1.6 hectares o espaço dos pescadores. Hoje, com auxílio da
Universidade Federal, do Ministério Público e até da Secretaria da Cultura, tem
se tornado possível questionar essa lei e outras similares.
Orietta
LLauca Huala, advogada do povo Mapuche, Chile, foi a próxima a tomar a
palavra. Contou que há três anos que se dedica gratuitamente à defesa do povo Mapuche,
e que encontrou muitos problemas, mas também muitos ganhos. Esclareceu que,
para ela, o grande inimigo dos povos originários da região é o Estado chileno. Frente
a essa entidade, destacou a necessidade de lutar pelos meios judiciais com
advogados capacitados para enfrentar o Estado e o capitalismo. Pontuou, não
obstante, a necessidade também de se ensinar os povos a defenderem-se
juridicamente sozinhos para casos em que seja suficiente. Deu ênfase a
concretude das ameaças através dos casos reais de escassez de água e alimento aos
povos e comunidades, exemplo disso sendo o desastre que resultou na morte de nove
mil toneladas de salmão no mar, e a subsequente inação do Estado chileno, em
desrespeito ao Protocolo de Londres. Foram iniciadas então duas ações por
crimes ambientais, frente às quais o tribunal exigiu arbitrariamente a presença
da advogada em três dias, mesmo sabendo que se encontrava fora do país. Com
isso, disse, exemplificou os truques dos Estados na cumplicidade com a
destruição do meio ambiente e formas de se esquivarem dos movimentos sociais. Concluiu
que, para ela, além de estudar o Direito, é necessário revestir-se de uma armadura,
pois os inimigos ativam todos os mecanismos para destruir quem está na luta.
Gladys
mencionou brevemente, então, que os pescadores artesanais do litoral do Paraná
têm interesse em promover um intercâmbio com os pescadores em situações
vulneráveis no Chile, destacando como exemplo das possibilidades da Câmara e da
Rede.
Fabíola
anunciou a presença do Prof. Eduardo Harder, da UFPR, que trabalha com
comunidades de pescadores artesanais.
Leonor
Gomes Pereira, pescadora da Comunidade Ponta Oeste, Ilha do Mel – PR, complementou
o exposto até então sobre sua comunidade destacando todo o sofrimento pelo qual
passaram nas mãos do IAP e das leis ambientais. Esclareceu que o que considera
como principal problema é a falta de eletricidade na comunidade, da qual
resulta a dificuldade de armazenagem dos pescados, tendo os pescadores que
comprar gelo, bastante caro.
Marcelo
Passos, da Associação de Agricultura Orgânica do Paraná (AOPA-PR), foi o
próximo a discursar. Explicou que sua organização foi fundada em 1995 e desde então
trabalha no auxílio de agricultores na conversão da cultura tradicional para a
agroecológica. Esclareceu que, segundo a lei, para se vender orgânicos, era
necessária certificação cuja obtenção dependia de processo custoso e controlado
por empresas; sua grande conquista foi alterar e promover a metodologia de
meios alternativos de certificação dos orgânicos, que acabou sendo utilizada por
outros países na América Latina. Disse promoverem diversos tipos de auxílio aos
agricultores, sempre atuando em conselhos e comissões, o que não os isenta de complicações,
como o problema da merenda do estado.
Prof.
Marli Roesler, de Serviço Social da Universidade Estadual do Oeste do Paraná
(UNIOESTE), tomou a palavra e explicitou o que considera uma das principais
missões da universidade: conquistar e valorizar espaços que garantam os
direitos das comunidades tradicionais e povos originários. Contou que, de maior
presença do povo indígena Guarani, a região Oeste do Paraná vivencia constante
conflito com os direitos dos povos; em Guaíra, por exemplo, oito comunidades
estão em área de litígio. O estado do Paraná, disse, não garante direitos. Defendeu que a Universidade
precisa agir mais ativamente na mediação de conflitos e no reforço aos direitos
humanos, bem como deveria o Estado fomentar pesquisas nessas áreas. Expôs com
orgulho a grande vitória de terem conquistado um prédio para escola indígena, direito
que deveria ser básico, mas resultou de luta. Disse que a luta atual está em conseguir
carteiras decentes e computadores para o ensino. Por fim, colocou que o
Programa Ciência sem Fronteiras deveria ser rediscutido, pois estimula jovens a
irem estudar na Europa e América do Norte, mas nunca dentro da própria América
Latina.
Prof.
Joaquim Shiraishi Neto, da Universidade
Federal do Maranhão (UFMA) e advogado popular, tomou então a palavra e
defendeu em seguida a necessidade de se pensar a globalização do Direito, já
que o impacto das grandes empresas nas legislações e decisões locais são generalizadas
e aquelas atuam em rede globalmente. Propôs que os movimentos sociais devem,
igualmente, atuar em rede como resposta, aprendendo com experiências e falhas
coletivas. A Câmara, disse ainda, deve atuar com o Ministério Público, porém sendo
mais democrática e menos burocrática, para que seja acessível, efetiva e ágil. Pontuou
por fim que devem promover a aprendizagem coletiva.
Prof.
Eduardo Harder, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), campus de Matinhos,
manifestou-se em seguida dizendo compartilhar das posições dos demais. Chamou
atenção então ao enganoso ambiente de uma suposta democracia sofisticada,
presente nos discursos, mas que, no fim das contas, não é nem um pouco real; concluiu
que ainda temos que aprender a lidar com a liberdade provida pela democracia.
Douglas
Jacinto de Rosa, do povo Kaingang, Rio Grande do Sul, iniciou sua fala
comemorando a aproximação simultânea com a academia e os movimentos sociais. Pontuou
então uma vitória: a criação do Conselho Nacional de Política Indigenista. Concordou
com a fala de que as universidades devem ser mediadoras na atuação com povos
indígenas, especialmente em termos de políticas públicas. Como estudante, disse
realizar pesquisas em direitos territoriais. Esclareceu que sua terra ainda não
é legalizada, mas através de atividades de pesquisa, a comunidade conseguiu um
encontro de aldeamento na universidade, exemplificando o potencial da academia ao
trazer instrumentos que podem ser exercidos na prática, além da satisfação de
poder expressar suas demandas. Colocou como objetivo principal contribuir na agenda
indigenista, para atuar em rede e exercitar a autodeterminação dos povos
indígenas. Finalizou afirmando a grande conquista de terem trazido a discussão
do buen-vivir para dentro do âmbito
do estado do Rio Grande do Sul, superando a proposta estatal da
“sustentabilidade” como única, de forma a aproximar-se de similares
desenvolvimentos na America Latina.
Gelson
Luiz de Paula, agricultor agroecologista e membro da Associação de Agroecologistas
da Região de Irati, tomou então a palavra. Iniciou expondo o histórico de
sua associação. No começo, disse, era tranquilo, pois havia um debate generalizado
em torno da agroecologia. A associação surge em 2003, com um projeto de
alimentos agroecológicos e de diversidade alimentar, o que até então não
existia e que passou a ter grande sucesso. Possuíam 27 famílias associadas em
2007, e progressivamente, em poucos anos, chegaram a mais de 50. Eventualmente,
chegaram a ter mais de um milhão de reais em execução em projetos desse tipo,
em quatro municípios na região de Irati, e a entregar mais de 60 tipos de
alimentos para creches, escolas etc. O trabalho cresceu tanto que a agroindústria
passou a se incomodar com a agroecologia, e a partir de 2012 passaram a surgir várias
denúncias acusando o trabalho e a associação dos agroecologistas, chegando ao ponto
de judicialização criminal que resultou no desmonte da associação, a partir de
ações envolvendo a Polícia Federal. Gelson apontou, então, a necessidade de se resgatar
o trabalho da agroecologia e acusar o uso de agrotóxicos que contaminam a
região e dificultam aquela. Finalizou colocando que o foco por ora deve ser o
resgate das comunidades mais fragilizadas.
Fabíola
anunciou, então, a presença do Prof. Marcos Sorrentino, da UNESP, da Prof. Ana
Tereza Reis da Silva, da UnB, do Prof. Hugh Lacey, filósofo da ciência e
autoridade nos estudos críticos sobre agroecologia e transgenia e da Prof. Gislene
Santos, da UFRJ.
Amantino
Sebastião de Beija, membro da Articulação Puxirão de Povos Faxinalenses, discursou
em seguida, concordando e complementando o exposto pelos companheiros
faxinalenses. Iniciou esclarecendo a dinâmica dos faxinais: lá, há propriedades
individuais, mas os animais podem transitar em qualquer propriedade, havendo apenas
uma cerca que impede os animais de irem para a lavoura ou escaparem; a ideia norteadora
é a de solidariedade, fazem mutirões, por exemplo, para a manutenção da cerca. Explicou
que a Articulação Puxirão surgiu em 2005, e desde então fazem a cada dois anos um
encontro estadual de faxinalenses. Em seguida, agradeceu ao professor Jorge
Montenegro, da UFPR, pela cooperação e auxílio. Apontou, na cooperação com
outras entidades, a felicidade na valorização de sua fala e de sua comunidade, sem
a correção de seu português em registros. Esclareceu em seguida que em 2007 foi criada lei estadual que
ampara os faxinalenses. No ano seguinte, surgiu a ideia da Rede Puxirão de
Povos Tradicionais e Originários do Paraná, para que não fossem ignorados ao
apresentar-se individualmente, unindo forças. Exemplificou o poder da união
pela vez em que pousaram em uma praça em Curitiba, perto dos órgãos públicos,
para mostrar que são em grande número; assim, pescadores e quilombolas, mesmo
possuindo demandas diferentes, cooperaram com os faxinalenses e apoiaram-se
mutuamente, hoje possuindo representatividade frente ao poder público. Em 2012,
seguiu, foi criado o Conselho Estadual dos Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais,
só tomando posse os representantes e sendo operacionalizado em 2014; não
obstante, até o presente momento sequer discutiram as propostas, apenas
aprovaram o regimento interno, devido à dificuldade burocrática. Já em âmbito
nacional, explicou, a antiga Comissão Nacional de mesmo tema foi promovida a
Conselho por decreto da Dilma logo antes de ser afastada, mas provavelmente não
irá durar, devido ao atual cenário político. Finalizou mencionando que, no dia
anterior, estava em Brasília discutindo o Cadastro Ambiental Rural.
Ariadne
Casas, pescadora da Comunidade do Guapê, Pontal do Sul – PR, discursou em
seguida. Inicialmente, disse estar representando dez famílias de pescadores na reunião;
então, contou um pouco sobre sua história de vida. Sua família é inteira de
pecadores. Quando criança, foram desapropriados pela prefeitura de Matinhos, onde
moravam, por conta de um suposto desastre natural pelo qual qualificaram todas
as famílias como em situação de risco. Ainda assim, a família não quis deixar
de ser pescadora e de viver ao mar, motivo pelo qual se mudaram para Pontal do Sul.
Lá, passaram pelos mesmos conflitos: não podiam ter eletricidade, construir uma
casa etc., por imposição do IAP. Disse ter visto seu pai se humilhar para
conseguir água e luz. Mais tarde, disse, casou-se com um pescador, também de
família de pescadores, e novamente passaram pelos mesmos conflitos. Para
entender e aprender a lidar com essas situações, então, decidiu procurar a
representante do município aliada aos pescadores, Cleonice Silva do Nascimento.
Graças à militância de Cleonice é que passou a questionar efetivamente o motivo
pelo qual sua comunidade não tinha direito a nada, diferentemente das demais. Passou
a receber, então, orientações de Cleonice e do MOPEAR. Passou a ir a encontros
que se propunham a reconhecer a identidade dos pescadores, além de reuniões
jurídicas e políticas, nas quais levavam demandas, atuando junto ao Ministério
Público. As comunidades, disse, foram reconhecendo-se como sujeitos de direito
e capazes de exigi-los. Comemorou então um processo de seis anos pelo qual
finalmente alcançaram a vitória na alocação de dez famílias pelo direito de viver
perto do mar e serem pescadores artesanais. Apontou, por fim, a importância de
estar entre outros movimentos sociais, para que haja o contato e conhecimento
dos problemas uns dos outros, gerando aprendizagem coletiva.
Cleonice
Silva do Nascimento, pescadora e vereadora em Pontal do Sul – PR, membro
do MPP, assumiu então a palavra. Explicou um pouco da dinâmica do MPP,
Movimento de Pescadoras e Pescadores em âmbito nacional, que está presente em
17 estados e possui como objetivo promover o diálogo da pesca artesanal em todo
o Brasil, buscando combater seus problemas e fortalecer a pesca artesanal.
Afirmou ser uma combinação de resistência e união, cuja maior conquista é a visibilidade
aos pescadores artesanais. O movimento, disse, luta contra a discriminação e a
injustiça contra as comunidades pesqueiras, mostrando que um problema do
capitalismo é desrespeitar seus saberes, cultura e modo de vida. Explicou que,
devido ao momento político atual, o movimento desacelerou suas atividades. O
grupo, esclareceu, assumiu-se como movimento de pescadores em 2009, passando a
participar de conferências do Governo, que até então entregava pautas prontas e
fechadas, sem debate; cansados dessa imposição, passaram a ser protagonistas ao
fazerem conferências paralelas às do Governo para colocarem suas próprias pautas.
Desde então, conseguiram inumeráveis conquistas. Concluiu defendendo que,
embora o processo seja lento, é de avanço constante.
Cláudio
de Araújo Nunes, pescador de Superagui, Guaraqueçaba – PR, membro do MOPEAR, do
MPP, do CONFREN, e da Rede Puxirão, tomou a palavra para, em complemento ao
afirmado pelas companheiras, enfatizar que a conquista principal das
comunidades foi a criação do movimento e seu reconhecimento como múltiplo e
representativo, em oposição a simplesmente pessoas isoladas. Com base nisso,
disse ser agora o objetivo buscar outras comunidades ainda não presentes para
se aliarem.
Agda
Andrade Cavalheiro, representante da comunidade de benzedeiras no Conselho
Estadual dos Povos e Comunidades, integrante do Movimento Aprendiz da Sabedoria,
tomou a palavra em seguida. Esclareceu que sua luta começou em 2008 e tem como maiores
conquistas o mapeamento das regiões das benzedeiras e a concessão estatal de
carteiras, com as quais podem benzer onde quiserem, sem proibições
institucionais. Não obstante, afirmou terem como maior dificuldade a ainda
existente repressão e discriminação social e política, além de problemas com a
Igreja. No momento, disse, o movimento luta pela continuidade e expansão do
mapeamento das benzedeiras, especialmente em Irati, e das cartografias sociais,
com a consequente concessão de carteiras de reconhecimento. Colocou ainda como
problema o fato de que o IAP deve autorizar a coleta de folhas da
biodiversidade pelas benzedeiras, que utilizam na produção de remédios, sendo o
órgão muito rígido. Defendeu, por fim, a manutenção e profusão de seus
conhecimentos.
Ana
Maria Santos, benzedeira de Rebouças – PR, complementou então o exposto
pela companheira, esclarecendo um pouco da vivência de suas comunidades. Explicou
que as benzedeiras trabalham com a saúde por meio dos saberes populares. Disse
que no município onde reside há 130 indivíduos reconhecidos que trabalham
similarmente com saúde popular, dentre benzedeiras e benzedores, remedeiras,
parideiras etc. Enfatizou então a importância da valorização de sua identidade
e povo, com seus respectivos saberes, defendendo sua cultura e seus antepassados
que, embora não tivessem médicos, tinham sempre seus remédios naturais, a
exemplo do chá Monge João Maria, que segue curando várias pessoas, juntamente
com outras ervas e simpatias. Proclamou que o seu trabalho é feito sempre em
nome das pessoas e com amor. Disse, por fim, já possuírem Projetos de Lei para
benzedeiras em duas cidades, agora lutando por uma terceira.
Janete,
estudante bolsista pelo Governo de Moçambique no programa de pós-graduação em Segurança
Alimentar e Nutricional da UFPR, tomou a palavra brevemente para dizer sentir-se
lisonjeada por fazer parte da reunião. Apontou a superioridade de Moçambique
com relação à América Latina em termos de segurança alimentar. Lá, disse, a
agricultura é majoritariamente agroecológica, ao contrário daqui; afirmou
esperar, assim, que a África não seja engolida por esse sistema como o foi a
América Latina.
Doriz
Arianna, do México, também estudante intercambista no programa de pós-graduação
em Segurança Alimentar e Nutricional da UFPR, igualmente tomou brevemente a
palavra e fez nota à crise civilizatória na América Latina em termos de
segurança alimentar, atribuindo-a principalmente a fatores políticos,
destacando a importância desse tipo de foro para o debate do tema.
Fabíola,
encerrando temporariamente os debates, anunciou então o intervalo de almoço
e convocou os participantes a voltarem entre as 14h15min e 14h30min para dar
continuidade aos trabalhos, com a introdução dos representantes do Ministério Público
do Paraná. A sessão foi encerrada às 13h05min.
Após o intervalo, a reunião foi
retomada às 14h53min. Gladys
introduziu a segunda parte da reunião, que, conforme expôs, consistiria em um
diálogo mais amplo com a CASLA, a academia, o ministério público e os demais
membros da Rede presentes. Para tanto, inicialmente seriam expostas
considerações e sugestões para a Câmara; a seguir, os representantes das
comunidades e povos fariam nota de seus principais problemas atuais.
Dr.
Saint-Clair, do Ministério Público do Paraná, foi o primeiro a discursar.
Referindo-se às questões abordadas no período da manhã, destacou o
desenvolvimento do moderno constitucionalismo, em que se pensam novos
horizontes em vistas de uma discussão mais positiva, tomando em conta a
diversidade cultural e a relação entre homem e natureza também no contexto
jurídico. Abordando o papel que poderia ser desempenhado pelo MP nos processos
discutidos no âmbito da Rede, fez distinção entre duas situações locais:
aquelas em que já há legislação municipal na matéria e aquelas em que não há.
Na primeira, como é a situação dos faxinais, cabe o monitoramento de sua
aplicação e de sua efetividade. Na segunda, faz-se necessário propor uma
legislação municipal e, para isso, o MP pode auxiliar na elaboração de um
projeto a ser apresentado aos vereadores. Mencionou ainda a possibilidade de,
para determinadas situações, pensar-se em legislação em nível federal.
A seguir, discursou Dr. Olympio Sotto Maior, também do
Ministério Público do Paraná. Iniciou afirmando que todos os temas até
então tratados são de interesse do MP, posto que, por dever de ofício, este tem
obrigação de intervir em tais questões, bem como tem autonomia para tal e esta
não pode ser retirada por qualquer órgão público. Essa independência funcional,
esclareceu, deve ser usada para se fazerem valer os direitos de cidadania
previstos pela Lei; destacou, ainda, que tal serviço deve ser executado
inevitavelmente em favor do interesse público e gratuitamente. Em que pese sua
atuação prática, afirmou que o MP deve tentar resolver os problemas expostos
pela esfera administrativa, quando possível, por ser menos burocrático e lento
que o Judiciário. Em seguida, destacou o papel da CASLA na defesa dos direitos
humanos na América Latina e enfatizou a importância da iniciativa da Câmara
Jurídica, por usar os direitos humanos como bandeira para a mudança social.
Sobre a última, fez nota a dois importantes potenciais: primeiro, o de fazer
chegar os direitos previstos inclusive em documentos internacionais às
populações marginalizadas, difundindo tratados internacionais e fazendo uso de
todos os dispositivos disponíveis; e segundo, o de comparação das várias
legislações e sistemas vigentes nos diversos Estados latino-americanos, de
forma a propagar as melhores práticas de cada um, a exemplo do modelo
brasileiro de organização do Ministério Público ou de seu Estatuto da Criança e
do Adolescente, pontos frágeis na região. Concluiu afirmando que a Justiça não
deve ser instrumento para a manutenção de estruturas sociais injustas, mas sim
espaço de luta para a mudança, motivo pelo qual disse o MP fazer-se disponível
e apoiar a Câmara Jurídica com todos seus promotores.
A próxima a pronunciar-se foi a
advogada mapuche, Dra. Orietta.
Enfatizou, acima de tudo, que a Câmara deve ser bem articulada e deve ser
internacional, e que, para isso, é necessário manter contato. Sugeriu, nesse
sentido, que cada país tenha representantes para que o contato se torne mais
fluído, bem como a existência de um lugar fixo para o qual se possam dirigir
mais facilmente as demandas. Tal facilitação torna-se necessária mediante a
urgência de determinadas demandas, surgidas por conta da arbitrariedade do
Estado frente às comunidades vulneráveis, a exemplo das ordens de despejo de
curto prazo. Destacou, também, o potencial da Câmara como depositório de
jurisprudência internacional para tipos similares de demanda, e também como
meio de contato a instituições internacionais quando necessário. Por fim,
mostrou ter a Câmara potencial de monitoramento, posto que Estados comumente
aderem a tratados internacionais ou mesmo se sujeitam a determinadas decisões
de foros jurisdicionais internacionais mas não os aplicam propriamente no
âmbito interno.
Tomou a palavra novamente Gladys. Primeiramente, disse ser
necessária a realização de intercâmbios, pois não lhe parece ser possível conhecer
de fato as realidades de vulnerabilidade sem o contato aprofundado com as
respectivas comunidades. Depois, destacou a necessidade de se ensinar as
comunidades a se defenderem juridicamente sozinhas em casos mais simples para
os quais não sejam necessários advogados, o que poderia ser feito por meio de
um curso de empoderamento. Para isso, mencionou tanto a possibilidade de os
advogados da Rede irem até as comunidades quanto de representantes destas virem
até a CASLA para cursos com especialistas, a exemplo de um argentino que conhece
que poderia ser convidado. Fez, por fim, distinção entre problemas jurídicos e
não-jurídicos, destacando que muitos dos problemas dos povos e comunidades não
são necessariamente jurídicos e, por isso, merecem observância de toda a Rede
em todos os momentos, e não apenas da Câmara Jurídica, destacando-se o papel
das universidades participantes.
Discursou, então, Prof. Dimas, expondo reflexões e
propostas sobre a universidade e a ciência e seu papel na sociedade e na Rede.
Destacou, de início, a importância dos espaços de conhecimento, como o debate que
ocorria, como meios de pensar sobre si mesmo e sobre os outros, bem como seus
sistemas de práticas decorrentes. A seguir, referindo-se especialmente às
universidades públicas, falou sobre a necessidade de questionar se a ciência
que fazem é, de fato, pública, ou a que fins servem, posto que sua produção,
antes de ser ciência, é pública, motivo pelo qual deve abordar a forma pela
qual a sociedade se organiza. Surge como problema, nesse contexto, o conservadorismo
na academia, inclusive nas universidades federais, a exemplo do Brasil, e tal
análise torna-se pertinente uma vez que é necessária a compreensão dos
ambientes para que se possa neles agir. Como exemplo do exposto, mencionou a
epistemologia que envolve a visão social de determinados setores acadêmicos,
que são categorizados como militantes não-científicos. Essa visão traduz-se na
forma pela qual a universidade vê a si mesma e pensa o papel social da ciência.
Um exemplo da batalha ideológica quanto ao papel da ciência pode ser traduzido,
ainda, pelas nomenclaturas hoje usadas, tal como “extensão”, que se refere ao
marginalizado, em vez de nomes de significantes positivos como “técnicas de
inovação social”. Não obstante e a despeito do contexto pessimista, defendeu
haver ainda muita gente preocupada com o papel do que chamou “ciência
pertinente”, que serve à sociedade, em oposição à referida “ciência
corporativa”, que produz pelo produtivismo. Sob esse panorama, mostra-se
necessário mapear a pertinência da ciência a partir dos lugares em que se
localizam para, no contexto da Câmara, reunir pesquisadores pertinentes para
serem integrados à Rede. Por fim, mencionou a necessidade de criação do que
chamou de “universidade nômade”, uma universidade que use as capacidades já
instaladas para reunir atores comprometidos com os fins da Rede.
Tomou a palavra Prof. Dauto Silveira, do PGSOCIO-UFPR. Retomando a ideia de “luta
universal” de Gladys, surgida a partir do questionamento sobre se as lutas da
Câmara poderiam eventualmente ser universalizadas e aplicadas, por exemplo, na
África, afirmou o projeto da Câmara ser sim universal e universalizante,
independentemente de sua aplicabilidade extra-regional. Isso por tratar-se de
um processo de reconhecimento de todos os povos como sujeitos de direito
perante a estrutura vigente, e por serem pautas de lutas objetivas e concretas
não contempladas pelo âmbito estatal. Exemplificou através da situação dos
pescadores artesanais, que, não atendidos pelo Estado, levantaram seu próprio
movimento. Defendeu que tais lutas só podem ser empreendidas a partir da
conscientização crítica dos povos, de sua condição histórica e das contradições
às quais estão submetidos, destacando o papel da Rede para tal conscientização.
A seguir discursou Isabela da Cruz, da comunidade quilombola
Invernada Paiol de Telha. A representante disse, inicialmente, que tentaria
trazer as demandas da federação dos quilombolas, projeto ambicioso por não ser
possível compilar as demandas de todos, bem como pelas gigantes exigências
advindas da extrema vulnerabilidade das comunidades. Destacou, acima de tudo, a
interseccionalidade das discriminações estruturais que levam a tamanha
vulnerabilidade, a exemplo de sua própria pessoa: mulher, negra e pertencente à
comunidade tradicional. Notou, então, o problema da invisibilização e
homogeneização das comunidades tradicionais, que têm sua cultura e memória
constantemente apagada, processo do qual resulta intensa necessidade de
resistência. Como vitória, falou sobre a presença de quilombolas, ainda que
poucos, nas universidades. No contexto de invisibilização, elaborou o problema
de a população brasileira não reconhecer sua própria riqueza e multiplicidade.
Esclareceu que são 37 as comunidades quilombolas certificadas como tal no
Paraná, sendo ao todo aproximadamente 90 no estado, que podem ser identificadas
por suas características como comunidades negras rurais do interior; no Brasil,
são aproximadamente cinco mil. Os maiores problemas, defendeu, são o processo
de desrespeito à territorialidade dessas comunidades, que acabam sendo
engolidas pelas cidades, e o racismo institucionalizado e explícito. Notou,
ainda, a ameaça do governo interino no Brasil. Por fim, colocou-se à disposição
de passar o contato das demais lideranças quilombolas que conhece.
Nicolas,
em seguida, colocou o problema da interação entre os membros da Rede,
deixando-o aberto a sugestões dos demais. De sua parte, propôs a criação de um
canal sigiloso, tal como um endereço eletrônico, para contribuição e envio das
demandas das comunidades e manutenção de contato, para que os problemas fossem
solucionados com a maior agilidade possível; sugeriu, ademais, que o mesmo
fosse feito ainda naquele dia, como concretização inicial do projeto da Câmara.
Gladys,
no mesmo sentido, sugeriu a criação ou escolha de uma instituição, que poderia
mas não necessariamente deveria ser a CASLA, que servisse como cadastro para
registro e compartilhamento das comunidades associadas à Rede e para que essas
pudessem protocolar suas demandas mais urgentes, que seriam imediatamente
encaminhadas a todas as instituições da Rede em busca de uma solução rápida.
Sugeriu, igualmente, que o mesmo fosse feito ainda naquele dia. Ademais,
colocou em pauta a convocação de uma nova reunião, preferencialmente dentro de
três meses, podendo ocorrer dentro de alguma comunidade ou novamente em
Curitiba. Por fim, afirmou que alguns problemas são mais simples ou rápidos de
serem resolvidos que outros, a exemplo da questão dos barcos e da luz elétrica
para os pescadores artesanais.
Ivete,
quanto aos potenciais da Rede, destacou a união dos movimentos como poder de
pressão no sentido de chamar a as autoridades competentes para cumprirem seu
papel, bem como pressionar todas as instâncias possíveis até que se chegue a
uma solução.
Gladys
retomou a palavra para complementar sua ideia anteriormente exposta ao pedir
que todas as demandas encaminhadas sejam acompanhadas de ideias de solução.
Marcelo,
então, tomou a palavra para fazer uma sugestão à Câmara. Introduziu o problema
que chamou de “nova criminalização” dos movimentos sociais: a excessiva
burocratização por exigência do administrativo e seu cumprimento quase
impossível. Notou, por exemplo, que a AOPA-PR gasta cerca de cinco mil reais
por mês em defesa contra processos injustificados. Nesse contexto, sugeriu que
a Câmara tivesse um braço especializado em questões administrativas e federais
para exercer a proteção dos movimentos sociais frente aos ataques da burocracia
regulamentária.
Gelson
concordou e complementou o dito por Marcelo, apresentando um caso vivido
pela associação de que é parte e uma decorrente demanda, ainda atual. Explicou
que lideranças de sua associação foram presas injustificadamente em Guarapuava,
inclusive ele mesmo, por um total de 38 dias, por conta do trabalho na
agroecologia. Todos os presos foram inocentados por falta de provas em suas
acusações. No entanto, disse que permanece severa dificuldade de se superarem
certas dificuldades decorrentes do processo, especialmente de ordem
burocrática. Isso, pois, embora inocentados, não foi proferida a sentença, e
por isso seguem carregando o fardo do processo. Ouviram das autoridades
competentes, ademais, que não há prazo para que seja proferida a sentença.
Esclareceu que durante tais processos criminais, que tinham como fundamento
supostas irregularidades administrativas, um sem número de pessoas foram
indiciadas, prejudicando em muito a associação, de forma que das 120 famílias
associadas em 2013, hoje só restam cerca de 25. Nesse sentido, referiu-se ao
mesmo tipo de criminalização exposta no discurso anterior.
Neste momento, Dr. Olympio interveio para sugerir sua intercessão junto ao
respectivo juiz federal para que profira logo a sentença, já que isso é tudo
que falta, posto que os promotores da situação já se pronunciaram quanto à
falta de evidências. Deixou seu cartão com Gelson para caso de necessidade de
assistência. Também Fabíola
interveio e sugeriu a instauração de algum tipo de processo para restituição ou
reintegração do grupo, afirmando que o mesmo poderia ser promovido nos marcos
da Câmara.
Em seguida, Cláudio tomou a palavra para apresentar os conflitos e demandas de
sua comunidade. Apresentou como a questão principal as unidades de conservação
e os parques, citando três casos: o Parque Nacional de Superagui, cuja criação,
bem como cujo Plano de Manejo de 2012, foram feitos sem consulta dos locais,
enquanto para fora se propagava a ideia de um sistema participativo; o Parque
de Currais, também feito sem consulta e diretamente na área pesqueira, tirando
objetivamente os direitos de se construir, de se largar redes onde sempre
pescaram, entre outros; e o Parque da Ilha do Mel. Apresentou também a questão
das milhas náuticas, que delimitam a zona de pesca, afirmando que não são
contra as milhas em si, mas sim a maneira como foram criadas e como são
monitoradas, exemplificando que pescadores artesanais são presos por sua
transgressão enquanto nada ocorre frente aos pescadores industriais. Também as
questões da energia elétrica, que foi cortada de comunidades por conta dos
parques, representando método coercitivo com a intenção objetiva de
deslocamento das comunidades residentes, afetando cerca de duas mil e duzentas
pessoas apenas em Guaraqueçaba; do incidente de vazamento que danificou a pesca
há anos, pelo qual muitos pescadores ainda não foram indenizados; e, por fim,
da implementação do Porto de Pontal, cuja criação exige o deslocamento de ao menos
três comunidades pesqueiras. Concluiu afirmando que o movimento tem propostas
concretas de respostas a esses problemas, a serem conduzidas pela Câmara.
Cleonice
então reafirmou o exposto por Cláudio e pediu o empenho da Câmara para
responder a essas questões, afirmando que há tempos trabalham com o MP, mas que
nem sempre este consegue apresentar reposta efetiva. A seguir, complementou o
discurso anterior com duas outras demandas: a questão do Decreto n. 8.425,
sobre carteiras de legalidade de pesca, que visa a considerar pescadoras apenas
aquelas que estão em alto mar, excluindo aquelas de economia familiar,
majoritárias na realidade regional, afetando diretamente a condição das
mulheres pescadoras; e a de regularização fundiária, com relação às pessoas que
estão em espaços que são considerados da União e por isso são retiradas por
motivos quaisquer. Reafirmou, por fim, que no caso do Parque de Currais não
houve qualquer tipo de participação local.
Orietta,
então, interveio para convidar o MOPEAR a fundar uma rede latino-americana de
pescadores, na qual ela poderia se responsabilizar pela questão no Chile,
afirmando que a união da experiência dos advogados de toda a região poderiam
ajudar muito a todos, bem como o faria a decorrente pressão social frente aos
órgãos públicos. Gladys, nesse
sentido, sugeriu um encontro de pescadores no Chile.
Discursou, a seguir, Prof. Osvaldo da Silva, do DECISO-UFPR. Reiterou o dito pelo Prof. Dimas sobre
a universidade como reprodutora de estruturas e a necessidade de mudança. Celebrou,
então, o reconhecimento, embora tardio, das populações locais no meio rural
como detentoras de direitos especiais. Por fim, reforçou e chamou atenção à
urgência do problema apresentado por Gelson com relação à exigência de
sentença, destacando as dificuldades de seu não reconhecimento, como o
impedimento de programas sociais.
Em seguida, tomou a palavra Acir. Denunciou que, acima de tudo, os
faxinalenses estão tendo seus territórios e condições de vida usurpados pelo
agronegócio. Afirmou a existência de problemas indiretos decorrentes da
exploração em territórios vizinhos, como a degradação das pastagens e da
contaminação da água e do solo por conta da utilização de venenos. Denunciou, ao
mesmo tempo, a existência de agressões diretas promovidas contra a comunidade,
especialmente o envenenamento proposital de animais, água e pastagens em torno
das cercas. Notou que a resposta dos órgãos públicos é sempre lenta e
ineficiente, havendo casos judiciais em trâmite há mais de quatro anos e sem
resultados, além de procedimentos parados no ICMBio. Por fim, e de forma
bastante emotiva, falou sobre as ameaças e perseguições contra os faxinalenses,
que culminaram com o assassinato de dois integrantes da comunidade, mortos
pelas costas, e frente aos quais o Judiciário não apresentou qualquer tipo de
resposta; além de ameaças promovidas contra ele mesmo.
Ana
Maria interveio em consolo de Acir. Na oportunidade, pediu assistência à
Câmara para transformar a Gruta do Rebouças em ponto turístico e a preservação
do restante de seus territórios. Para tanto, sugeriu uma espécie de ofício
contra a Prefeitura de Rebouças. Em seguida, ela e Amantino cantaram uma
canção.
Após a canção, Amantino reafirmou e complementou o exposto por Acir. Iniciou
problematizando o fato de serem as leis, no geral, construídas sem participação
dos que por elas serão afetados. Disse que, além das leis, ocorrem decretos que
as regulamentam e, muitas vezes, as respectivas minutas sequer são repassadas
às comunidades, de forma que estas não têm conhecimento da legislação efetiva.
Mencionou o problema do CAR, o cadastro vigente. Denunciou, também, o descaso
do poder público com relação à comunidade, apresentando um exemplo prático: a
própria prefeitura foi ao faxinal e arrancou um mata-burro, cerca que permite a
travessia dos carros enquanto impede a fuga dos animais; a comunidade
protocolou espécie de processo contra a Prefeitura no IAP, mas por ser a
Prefeitura órgão público, sequer houve a emissão de laudo. Notou, nesse
contexto, que caso animais houvessem fugido e algum acidente tivesse ocorrido
na rodovia, a culpa certamente seria atribuída à comunidade. Por fim, felicitou
conhecer Dr. Saint-Clair, por ser especialista na área de meio ambiente.
Rumo à conclusão, Fabíola apresentou as cartas-convites
oficiais para a integração à Rede e à Câmara Jurídica, que trazem informações
sobre o processo e que estariam em posse de Priscila Alcântara, disponíveis
para recolhimento dos interessados.
Por fim, Prof. Javier Tobar teceu
comentários finais sobre o discutido e falou sobre a organização do evento Tramas y Mingas por parte da Universidad
del Cauca, que conta com a participação internacional de comunidades indígenas,
afro e rurais, ocorrendo a cada dois anos, o próximo se dando em junho de 2017.
Sugeriu, assim, algum tipo de relação entre o referido evento com a sistemática
da Rede, bem como uma futura interação com o Seminário CASLA-CEPIAL. Concluiu
convidando as comunidades tradicionais e povos originários presentes para que
compareçam à próxima edição do evento, na Colômbia.
Nada mais havendo a tratar, a
reunião foi encerrada às 17h10min. A presente ata foi lavrada por Gabriel Thomas
Dotta e Priscila Alcântara Drozdek.